A MÚSICA NA LITURGIA

“Cantai ao Senhor Deus um cântico novo”

Caríssimos irmãos e irmãs, dando continuidade ao nosso estudo sobre a Sagrada Liturgia, nesse mês abordaremos o tema da Música na Liturgia e do Canto ao longo do Ano Litúrgico.

A liturgia ocupa um lugar central em toda a ação evangelizadora da Igreja. Ela é o “cume para o qual tende a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte de onde emana toda a sua força” (SC 10). Nela, o discípulo realiza o mais íntimo encontro com seu Senhor e dela recebe a motivação e a força máximas para a sua missão na Igreja e no mundo (DGAE nº 67).

            Há uma relação muito profunda entre beleza e liturgia. Beleza não como  mero esteticismo, mas como modalidade pela qual a verdade do amor de Deus em Cristo nos alcança, fascina e arrebata, fazendo-nos sair de nós mesmos e atraindo-nos assim para a nossa verdadeira vocação: o amor (cf. SCa 35).  Unida ao espaço litúrgico, a música é genuína expressão de beleza, tem especial capacidade de atingir os corações e, na liturgia, grande eficácia pedagógica para levá-los a penetrar no mistério celebrado.

A Música Litúrgica tem o papel pedagógico de levar a comunidade celebrante a penetrar sempre mais profundamente o Mistério de Cristo.Por sua força e suavidade, capacita-a, com singular eficácia, a experimentar e entender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, altura, a profundidade… (…) o amor de Cristo, que ultrapassa todo conhecimento (Ef 3,18-19).

O Papa São Pio X, em seu Motu Próprio nos diz que a música sacra, como parte integrante da Liturgia solene, participa do seu fim geral, que é a glória de Deus e a santificação dos fiéis. A música concorre para aumentar o decoro e esplendor das sagradas cerimônias; e, assim como o seu ofício principal é revestir de adequadas melodias o texto litúrgico proposto à consideração dos fiéis, assim o seu fim próprio é acrescentar mais eficácia ao mesmo texto, a fim de que por tal meio se excitem mais facilmente os fiéis à piedade e se preparem melhor para receber os frutos da graça, próprios da celebração dos sagrados mistérios.

Deve ser Santa, e por isso excluir todo o profano não só em si mesma, mas também no modo como é desempenhada pelos executantes.  Penso ser bom recordar que profano aqui não quer dizer pecaminoso, mas fora do uso litúrgico. Dou um exemplo: Eu tenho tanto pra lhe falar, mas com palavras não sei dizer… Não é uma música pecaminosa, mas profana. Fala da beleza do amor humano e outros valores muito elevados, mas não serve para a liturgia, mesmo que se diga que se está cantando para Jesus.

O CANTO AO LONGO DO ANO LITÚRGICO

Somos seres que vivemos no tempo, e a liturgia cristã é celebrada no decorrer dos dias, meses e anos. Nossas festas e celebrações acontecem ao longo do dia, da semana, do ano, expressando o sentido da vida humana à luz e a partir do Mistério Pascal de Jesus Cristo, que é o mistério central da nossa fé. Assim, “o ano litúrgico é o ciclo das festas nas quais celebramos, durante o ano, a obra de Cristo, a nossa salvação, sob vários aspectos.” (Pe. Gregório Lutz, em “Liturgia – a família de Deus em festa” – EP, pág. 65). Cada ano, nós, cristãos, revivemos e fazemos memória dos principais acontecimentos da vida do Senhor Jesus: seu nascimento, sua morte, ressurreição, ascensão e envio do Espírito Santo… Nossa vida é marcada pelo tempo que é história da salvação: “Chegada a plenitude dos tempos, Deus nos enviou seu Filho”(Gl 4,4), que com sua Encarnação, inaugurou o novo e definitivo “tempo favorável” à salvação, até sua realização plena, na parusia.

O Ano Litúrgico dos cristãos se origina do povo judeu, que também tinha seu Ano Litúrgico, marcado sobretudo pelas festas ligadas à natureza e à vida, que sempre se tornavam religiosas, tendo como acontecimento central a saída e libertação do Egito (Páscoa), a Aliança oferecida e aceita no Monte Sinai (Pentecostes) e a festa das colheitas,  (Tabernáculos), e que se tornaram, além de outras menores,  festas memoriais, recordando e atualizando, através de ritos, palavras, gestos e cantos, a salvação realizada por Javé. Nossa liturgia cristã bebeu dessa fonte pura, aprendendo com o povo judeu a ver e celebrar no tempo a intervenção do Deus que salva, salvação esta levada à plenitude por Jesus Cristo. No Verbo Encarnado, o amor de Deus continua irrompendo em nossa história, visitando e libertando o seu povo, realizando maravilhas entre nós…

O Tempo Litúrgico tem, pois, como unidade central o Ano – tempo da graça do Senhor, tempo da plenitude, tempo da Igreja que nasce da Páscoa de Cristo, e cuja presença entre nós é para sempre: o Cristo Ressuscitado caminha conosco rumo ao Reino definitivo. O tempo da liturgia, além de se organizar pelos ciclos naturais do dia, mês e ano, destaca-se pelo ciclo cultural-religioso da semana de sete dias, tendo o domingo como referência central, pois “no primeiro dia da semana” o Senhor ressuscitou, chamado por isso o Dia do Senhor O Domingo. Assim, este “grande dia de festa” se tornou para a Igreja apostólica e para nós, hoje, um dia consagrado, onde os cristãos se reúnem para celebrar a memória da morte e ressurreição do Senhor. O domingo é o dia da nossa páscoa semanal, através da celebração da eucaristia, memorial da Páscoa de Jesus, por isso mesmo, dia de festa e alegria, antecipação do banquete eterno!

O Ano litúrgico é um caminho pedagógico-espiritual para nossa vivência cristã, um instrumento de salvação e comunhão, um meio para santificar e viver o tempo da graça do Senhor; com ele, desdobramos ao longo do ano os principais acontecimentos da vida de Jesus, partindo da sua Encarnação (Natal) e culminando na Ressurreição e glorificação (Páscoa). A partir destas duas festas básicas, foram surgindo ao longo do tempo, outras festas do Senhor, dos mártires, de Nossa Senhora… Portanto, é à luz do único mistério salvador, que celebramos e cantamos NO TEMPO a nossa redenção. Mistério profundo e inesgotável, que se desdobra no chamado Tempo Comum, e que o canto deve expressar, acompanhando o sentido do Ano Litúrgico e suas festas. Daí a necessidade de se buscar e aprofundar a espiritualidade dos diversos Tempos Litúrgicos, para adequar a música e o canto ao mistério de Cristo, sempre o mesmo, mas vivido e celebrado de forma diferente no hoje da salvação. Para cada tempo e cada momento especial dentro do Ano Litúrgico, há gestos, símbolos, ritos e cantos próprios, que nos ajudam a mergulhar no mistério do Senhor!

“A Igreja considera seu dever celebrar com sagrada memória, em dias determinados, durante o ano, a obra da salvação do seu esposo divino.”

(Sacrosanctum Concilium – Vaticano II, pág. 102)