Os homens que foram testemunhas de primeira hora tiveram a necessidade de buscar nomes e títulos que pudessem anunciar e proclamar a misteriosa identidade deste homem, que um dia se encontraram e tiveram sua vida inteiramente transformada.
A comunidade que aos pouco se formava e procurava seu caminho de existência e de configuração teve que procurar nomes, denominações e títulos que pudessem ser entendidos para aqueles que serão os destinatários da boa notícia e que a comunidade entendia como enviada em missão e que significasse algo do mistério de Jesus, reconhecido e proclamado como Cristo de Deus.
O primeiro Concílio Ecumênico, o de Nicéia, pode considerar-se como desembocadura de um processo que parte do encontro com o Jesus histórico, e do reencontro com ele à luz da experiência pascal. Não existe descontinuidade entre as confissões das primeiras comunidades cristãs, e a fé que se expressa em Nicéia com o famoso homooúsious ou consubstancial com o Pai.
É nos dois primeiros Concílios ecumênicos de Nicéia (+325) e Constantinopla (+381) que encontramos a afirmação que ainda hoje continuamos repetindo no Credo da Missa: O Filho é homooúsious to Patri, ou seja, consubstancial ao Pai. O Filho é da mesma substancia divina e, portanto possui o mesmo conteúdo de vida de Deus. Jesus é Deus como o Pai, e tão Deus como o Pai.
Nestes concílios afirmar-se também que Jesus é Deus por ser o Filho engendrado desde sempre pelo Pai. Gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Ou dito em nossa linguagem, a maneira que tem Jesus de ser Deus e plenamente Deus, é filial. Jesus é o Filho de Deus Unigênito, é Deus Filho, segunda pessoa da Santíssima Trindade, divino com o Pai.
Ao afirmar que Jesus possui a mesma ousía, essência, substancia ou conteúdo de vida que Deus supõe modificar qualitativamente a visão helenista platonizante, até mesmo empregando suas categorias. O que se entende por visão platonizante, ou neo-platonizante, se caracteriza por alguns elementos que afetaram bastante a teologia cristã: A separação entre Deus e o mundo; uma visão negativa da matéria e, por conseguinte, dualista do homem e uma introdução, apesar de tudo, da existência de intermediários entre Deus e o mundo.
O Concílio de Nicéia na verdade vai introduzir na nascente teologia cristã elementos para corrigir a visão neo-platônica. A essa visão subjaz uma imagem de Deus separado, poder supremo distante do mundo que nele atua por intermediários que poder ser muito perversa e levar a perversões.
O fato de que Jesus seja Deus significa que sua história é história de Deus, que se tem feito com ela uma só realidade. Por conseguinte, o único caminho da salvação é viver como Jesus viveu. Nossa confiança total em Jesus se apoia nesta aceitação por Deus da história em Jesus e de sua pratica histórica. Aceitação que se contém na afirmação que os cristãos realizam hoje com a mesma força e a mesma alegria que ontem: Jesus Cristo é Deus. Em Jesus, nossa história fica definitivamente assumida pelo Deus criador, Salvador e Santificador.
A cristologia contemporânea iniciou um caminho fecundo quando advertiu que a humanidade de Jesus Cristo é absolutamente plena e perfeita como humanidade, precisamente por ser a humanidade de Deus; e quando advertiu simultaneamente que a humanidade de Cristo é humanidade de Deus, precisamente por ser absolutamente plena e perfeita como humanidade.
Jesus Cristo, plenamente Deus, foi ao mesmo tempo perfeitamente homem, como advertiu o Concílio de Calcedônia no século V, em 451, completando assim a confissão de Nicéia.
O Concílio de Calcedônia tinha como pano de fundo o surgimento e o crescimento de duas heresias: O Monofisismo, segunda a qual Cristo teria uma única natureza composta da união de elementos humanos. E o Nestorianismo segundo o qual Jesus Cristo é, na verdade, duas entidades vivendo no mesmo corpo: uma humana (Jesus) e uma divina (Cristo). Reside nestas afirmações um perigo muito grave para a fé cristológica: o de subestimar a humanidade plena de Jesus Cristo fundamentalmente por não aceitar que em um homem como ele, plenamente homem, Deus pudesse realmente manifestar-se de maneira plena.
Tanto o Concílio de Nicéia como Calcedônia, além de afirmar a natureza humana e divina de Jesus, destacam que Jesus teve uma maneira filial de ser Deus. Jesus é Deus, sim; mas por ser o Filho engendrado pelo Pai.
O Concílio de Nicéia ao expressar dizendo que o Filho é engendrado e não criado, não pretende nada mais que não seja reafirmar a divindade de Jesus, ao asseverar contra Ário que o Filho não é feito nem criado; não é poíema (produto) nem ktisma (criatura); na PE alguém que não existia e que começa a existir. Mas sim por ser Deus possui outra origem diferente da origem de todas as criaturas. Deus é simultaneamente Pai e Filho e (como o explicará mais claramente o primeiro concílio de Constantinopla) Espírito Santo. Entre os três se dá uma sinergia ou articulação, de maneira que constituindo unidos o mesmo Deus, são entretanto distintos entre si.
Este desenvolvimento teológico que constitui a teologia por excelência: a ciência que se ocupa do próprio Deus, contém um aspecto sedutor pela contribuição que pode supor para a criação de um homem novo. E é que no interior de Deus, o Filho leva uma intensa vida de relacionalidade e comunhão com o Pai e o Espírito Santo. Porque a única coisa que o diferencia do Pai é acolher a vida que Este lhe entrega. E com ele, expressa a transmite seu amor substancial, quer dizer, o Espírito Santo.
Em Jesus se revela o Pai, de cuja intimidade vive e cuja Força transmite. Jesus se caracteriza por estar na vida com uma capacidade desconhecida e ilimitada de amar. Na vida humana de Jesus se manifesta o aspecto relacional de seu ser divino. Atua como Filho, e transmite amor. Acolhe e entrega. Vive desde o Pai e para ele. Através de seu comportamento filial e solidário se manifesta como o Filho que a comunidade eclesial descobrirá como consubstancial ao Pai, e como o que junto com ele dá origem ao Espírito de amor.
Confessar a divindade de Jesus significa que nessa vida de homem, por cima de qualquer outra, se manifesta o que é o homem em plenitude: aquele que a partir da fé e da experiência amorosa de comunhão com o Pai contempla a história com olhos novos, e o que sabe amar com um amor também absolutamente novo. Uma maneira de amar que trabalha incansavelmente para conduzir aos homens à caso do Pai, através de uma práxis comprometida com a extensão do Reino.
Jesus de Nazaré, pedra fundamental da fé cristã é, pois, o Filho eterno e unigênito do Pai, consubstancial com ele por sua divindade, e conosco por sua humanidade.